(E se o pai da psicanálise tivesse vivido mais 10 anos? E mais 30?)
O ano é 1949. O mundo ainda colhe os frutos podres do Nazismo.
O mundo acadêmico, porém, está entorpecido pelos efeitos da recente publicação da “companheira de Jean Paul Sartre”, Simone de Beauvoir. Ela não gosta da alcunha. Prefere invertê-la.
Freud tamborila na mesa, mas sente a artrite em seus dedos nonagenários. Ele sempre fica ansioso ao escrever um ensaio e, fosse uma década atrás, certamente acenderia seu cachimbo e baforaria tranquilamente, observando a figueira de seu jardim na Bergasse, 19, em busca de concentração. Em Londres ele jamais teve o mesmo sossego.
Sim, há motivos para ansiedade. Freud está prestes a terminar aquela que será sua maior obra, “As Novas, mas ainda não definitivas Conferências Introdutórias à Psicanálise”. E, como de costume, ao escrever um novo texto, ele sempre revisita os anteriores, exclui termos, inclui outros, insere notas de rodapé. Sua obra, sabe ele, é uma colcha de retalhos. Mas, ao contrário da colcha de Penélope, a sua não precisa ser inteiramente desmanchada para dar lugar a uma nova trama.
Falando em Penélope, a francesa exótica de turbante deixou-o pensativo. “Não se nasce mulher, torna-se”.
Foi a gota d’água para Freud identificar os pontos a serem revistos:
Em “A dissolução do complexo de Édipo, de 1924, ele inclui uma nota de rodapé:
“Caros leitores, neste trecho urge acrescer a partícula “Não”, mesmo incorrendo em risco de arruinar a bela frase de Napoleão: “Anatomia NÃO é destino”. Conforme adiantei sutilmente na Conferência 33, sobre a Feminilidade, a ciência da anatomia partilha sua certeza só até certo ponto.”
Na Conferência 33 substitui o termo “pênis” por falo em meia dúzia de parágrafos. Escreve a seguinte nota:
“Senhoras e senhores, embora siga firme na convicção de que o pênis é superior ao clitóris visualmente por ser mais protuberante, compreendi que a mulher, assim como o homem – e ambos são idênticos nesse aspecto –, caminham na vida assombrados pela mesma falta e essa parte que lhes falta, muito além de um corpo esponjoso, é sua necessidade de amor.”
O dito judaico: “Que você viva até os 120 anos!” incomoda Freud, que sempre o tomou mais como uma maldição do que por uma dádiva. De qualquer modo, na otimista hipótese de atingir a meta judaica dos 120 anos ainda precisará de mais uma década para ler Judith Butler e a subversão da teoria de gênero, ocasião em que, talvez, consiga escrever “As definitivas conferências introdutórias à psicanálise” e, quem sabe então, descansar.