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Inconsciente, ambientes de sonho, traumas na arte daquela que pintou o Brasil: Tarsila do Amaral


"Um vento forte se abate sobre uma solitária figura feminina em uma paisagem noturna, melancólica... A personagem está de costas, vestindo um traje rosa; não vemos seu semblante, mas o formato do seu corpo, tal como uma gota de lágrima, sugere seu estado de espírito.”

Essa descrição retirada da curadoria da exposição "Tarsila Popular" (Masp - 2019), descreve a obra Composição (Figura só).

Tal pintura (imagem acima), foi a única produzida no ano de 1930 e encerra a fase denominado antropofágica de Tarsila do Amaral.

No último dia 27 de setembro, tivemos a alegria de realizar com a casa cheia, a roda de conversa sobre o inconsciente nas pinturas de Tarsila. Neste texto, propomos de forma breve retratar como aconteceu nosso debate.

A roda abordou com mais ênfase a fase denominada antropofágica de Tarsila. Tal fase propunha que as influências artísticas estrangeiras fossem devoradas para trazer de volta uma arte constitutiva da essência do Brasil.

Esse período estava altamente interligado com o manifesto antropófogo de Oswald de Andrade, parceiro de Tarsila na época. Para criação do manifesto, o escritor teve como inspiração um presente dado por Tarsila, a famosa obra Abaporu (1928).

Na pintura (imagem acima), vemos uma figura monstruosa, de cabeça pequena, com pé, perna e mão agigantados. Anos depois, a artista se daria conta de que a imagem produzida na pintura estaria vinculada ao seu interior, relacionada com situações ocorridas durante a infância.

O “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade foi lançado em 1928, e assim como o Manifesto Surrealista, criado em Paris em 1924, se apoiou nas leituras que os artistas faziam de Freud. Lembramos que essa era uma época em que a a escrita e a arte eram fortemente influenciadas pela grande descoberta de Freud, o inconsciente.

Oswald de Andrade é um dos primeiros a iniciar a leitura do psicanalista, e para desenvolver sobre a antropofagia, articulou as ideias de Freud descritas em Totem e Tabu, - um texto fundamental que ao narrar o mito do Pai da horda, desenvolve importantes conceitos de identificação, incorporação e as formas de funcionamento da civilização. É se unindo aos demais e devorando aquele tido como tirano/inimigo que o sujeito incorpora sua força.

Por essa via, pudemos refletir sobre o contexto histórico que Tarsila se encontrava no Brasil e no mundo.

Tarsila do Amaral foi uma das artistas plásticas mais importantes da primeira fase do Modernismo. Em suas pinturas é possível ver retratado as aspirações dos vanguardistas. Falar dessa artista, é lembrar de obras com uma brasilidade que se emerge em cores. É pensar em pinturas que revelam memórias, sobreviventes em seu mundo interior.

Das profundezas da artista, emergem um universo que lembra o onírico, com imagens próximas ao fantástico, enigmas, reminiscências infantis, paisagem melancólica e personagem que remete à solidão.

Vemos que suas obras parecem estar vinculadas ao seu mundo interno, mas possuem também uma expressão mais ampla que remetem sobretudo ao que é primitivo.

Primitivo: aquilo que se relaciona com a origem, o inicio, o primevo.

Tarsila foi viver na Europa e quando retornou, parece ter retratado o primitivo do Brasil. Cactos, cores e paisagens resultados de uma imersão no Brasil intocado, a Caatinga, o Cerrado o Sertão. Os locais não tocados pela colonização europeia, que resiste as influencias estrangeiras.

Estaria nesse primitivo do Brasil sua identidade?

Essa parece ser uma das questões na época de Tarsila que ainda reverberam na alma e na arte dos brasileiros, visto o grande ultimo sucesso do nosso cinema que também de alguma maneira questiona esse antropofagismo.

Essa é afinal, uma das grandes potencias da arte. Poder circular entre o singular e o universal. O que é do individuo e o que é comum a uma sociedade

Nossa proposta com os debates abertos é de poder circular entre os temas da arte e da psicanálise. Pensando sobre o antropofagismo, a própria psicanalise também percorre os caminhos de incorporar o estrangeiro. Em sintonia com a revista Cult de setembro pudemos nos questionar:

Existe aqui uma produção própria ou apenas uma reprodução do que é produzido la fora? Foram reflexões sobre como a psicanalise acontece no Brasil.

Destacamos também que período em que nos detivemos foi marcado por grandes perdas na vida pessoal da artista, tais como o empobrecimento da família e o término do casamento com Oswald de Andrade.

Seguindo com a proposta do projeto de pensar o luto, também questionamos que papel teria a criação da artista na elaboração dessas perdas.

A arte teria feito função de simbolização das angústias de Tarsila?

O que sabemos, é que Tarsila do Amaral foi uma mulher audaciosa para o seu tempo. Uma artista que, com suas tintas e força, queria se tornar a pintora do Brasil.

"O Rio de Janeiro vai descobrir Tarsila e vai ter com essa descoberta a exata sensação de um maravilhoso encantamento". Oswald de Andrade, em 1929, por ocasião da primeira exposição, de Tarsila, no Brasil.

E foram através dessas características - de força e resistência - que pudemos junto com o grupo tecer algumas semelhanças e diferenças entre Tarsila e Frida Kahlo.

Um público participativo e interessado compartilhou pensamentos, sensações e percepções sobre os trabalhos das duas pintoras.

Vida e obra de Tarsila foram apresentadas pela pesquisadora Carolina que integra o projeto, e as reflexões foram mediadas pelas psicanalistas Carla Belintani, Isadora Louza e Renata Cataccini.

Foi uma rica sexta feira!

Agradecemos à todos que estiveram presentes e que dispostos contribuíram para a nossa troca. Dedicamos também um agradecimento especial à livraria blooks que acolheu nosso encontro.

"Depois de um certo tempo a gente começa então a desejar evadir-se dessa eternidade artística, que só se dirige ao intelecto e a reagir com a volta ao sentimental, ao humano, já que no complexo humano os sentidos também têm seus direitos". (Tarsila do Amaral).

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