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Sobre o Cine Debate - "O incerto lugar do desejo"

Não quero a faca, nem queijo.

Quero a fome.

Adélia Prado

Quais são as portas que abrimos em nome do desejo?

Em uma quarta feira chuvosa, em nome do desejo abrimos as portas do Cine Petra Belas Artes. Convite especial da Confraria das Lagartixas em parceria com o projeto Linha do Desejo, para um cine debate sobre o documentário "O Incerto Lugar do Desejo". Uma honra para nós essa participação que contou com a presença da diretora Suely Straub e roteirista Paula Trabulsi.

Segue texto que preparamos como abertura:

A Inquietante Porta do Desejo

Ao longo do documentário, diferentes pessoas provindas de distintas áreas e formações tentam nomear o desejo. Sem uma definição estabelecida, o desejo permanece assim: livre, solto, procurando um objeto para ser ligado. O desejo é, de fato, uma força elementar presente em cada um, a qual mobiliza, tal qual um motor de vida que anima o aparelho psíquico postulado por Freud. Aliás, o próprio Freud, ao cunhar o termo inconsciente, traz a ideia de algo não mais fora da consciência, mas com vida e com mecanismos de funcionamento próprios, diferenciados em relação à consciência. O psiquismo, com sua tamanha força e intensidade, se encontra em constante movimento pulsional, com forças opostas em permanente relação. O desejo, elemento fundamental nesse caldeirão interno, é o que pulsa no humano sem jamais apaziguá-lo, a não ser diante da morte.

Ao longo da história da Psicanálise, o desejo ocupou um lugar importante, norteando as construções teórico-clínicas, desde a sua origem. Esta concepção do desejo pressupõe um sujeito descentrado, que não se encontra aonde ele pensa estar. A psicanálise, ao destronar a razão, introduz o inconsciente, os mecanismos de defesa e, consequentemente, um sujeito dividido em sua essência. Através da interpretação das várias dimensões do inconsciente, encontramos o desejo que nos move e inquieta.

No mesmo sentido da proposta do nosso projeto, a presença das obras de arte no documentário relaciona-se à representação daquilo que é irrepresentável, visto que a arte nos remete à sensorialidade, ao primitivo, ao arcaico e à ambivalência entre luz e sombra. Essas características são intrínsecas ao tema do desejo, de forma que se mostram como impossíveis de serem apreendidas por completo, mas nos direcionam ao encadeamento de novos sentidos.

É na porta do inferno que a desejante Ana Thereza vai parar, ou seja, entre a paz do céu e a inquietude do inferno. Não por acaso, se encontra ali o pensador. Talvez esteja ela própria nesse processo analítico em que se lança, tendo como pano de fundo todos os "pecados" humanos.

Essa porta contém a frase: "uma vez dentro, deve-se abandonar toda esperança de rever o céu, pois de lá não se pode voltar."

O que se abandona ao realizar essa travessia? O portão do inferno, de Rodin nos leva a essa travessia entre o interno e o externo, entre o passar e o ficar, entre o pensar e o se entregar, entre o inferno e seus castigos. A arte cria um clima denso e intenso e o portão de Rodin condensa elementos fundamentais para pensarmos a respeito dos dilemas e medos humanos.

Ana Thereza, uma mulher com desejo de viver, escrever e de pensar, sai de seu país em busca de algo, almejando conhecimento pessoal e profissional. Esse inquietante pulsar a retira do familiar e do conhecido, lançando-a em direção a novas perspectivas, novas línguas e novas descobertas. No decorrer do pós-doutorado, mostra que queria ir mais além. Nem o mestrado, tampouco o doutorado foram suficientes aos seus anseios, de tal forma que o mesmo se aplicava ao pós-doutorado. É uma busca que, ao não encontrar aquilo que se almeja, mantém o movimento de uma vida. Neste processo de busca e procura de si mesma, sua trajetória nos conduz aos seus sentimentos mais profundos e ao desejo que pulsa e traz dilemas.

Assim, encerramos de modo a propiciar novas questões:

Quais são as portas que abrimos em nome do desejo?

Ir em busca do nosso desejo nos torna protagonistas de nossas histórias?

Desejar não se reduz ao querer, é mais complexo, mais profundo, envolve forças intensas, contraditórias, por vezes descontroláveis. Ele desorganiza, desloca, descentraliza. O que fazer diante de tamanha força?

Sem desejo não há ligação. Se não há ligação, não há laço. Se não há laço, o que resta?

Finalizamos com a frase de Hilda Hilst a respeito do movimento que o desejo nos convoca: “Há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofres, trancados até o nosso fim. E, por isso, passíveis de serem sonhados a vida inteira.”

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