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A Vida Secreta das Palavras - Texto de Carla Belintani



Hanna: "As lágrimas vão encher o quarto, não vou conseguir respirar.
Vou levar você para o fundo comigo, e nós dois vamos nos afogar.
Josef: "Vou aprender a nadar."

O filme A vida secreta das palavras (2005) de Isabel Couxet é dedicado a Inge Genefke (interpretada por Julie Christie), fundadora de uma organização que promove e sustenta a reabilitação de vítimas de tortura. Após um acidente em uma plataforma de petróleo, Hanna, uma mulher solitária, ajuda a cuidar de Josef, que sofreu terríveis queimaduras na pele. Ela cria uma forte ligação com ele e passa a conhecer melhor as diferentes pessoas com quem ele convive.

A história retrata a incidência do trauma e suas marcas no corpo daquilo que não é simbolizável por meio dos dois protagonistas, Hanna e Josef. Retrata também a função da palavra tecendo conexões secretas para que se forneça vida psíquica novamente ao sujeito, saindo do silêncio mortífero e das repetições às compulsões.

A possibilidade de ressignificar o trauma surge da confiança que Hanna estabelece com Josef. Inicialmente, ela é contratada para ser sua enfermeira e dedicar cuidados ao seu corpo queimado. Um homem que também traz suas marcas do passado, como a experiência do pai que o joga no mar aberto mesmo consciente que ele não sabe nadar e mais do que isso, a impossibilidade do resgate, visto que o próprio pai também não sabia nadar. Afundando no mar ele não se recorda de mais nada, acorda no hospital. Essa é uma memória infantil que Josef compartilha com Hanna. Ele trabalha em uma plataforma de petróleo, rodeada pela imensidão do mar, mesmo sendo seu maior medo.

Os personagens se assemelham, estão rodeados pelo próprio medo. Hanna escuta a voz de uma possível filha morta na guerra, essa voz que vem de dentro. Ela tem deficiência auditiva, basta desligar o aparelho para não ouvir mais nada, mas a voz de dentro continua ecoando em seus pensamentos. Como se estivesse em um retraimento autístico, Hanna se fecha para o mundo externo para se recolher em seus pensamentos.

Hanna e Josef se resgatam nesse encontro. Ela cuida dos ferimentos de seu corpo, e ele cuida dos ferimentos da sua alma.

Ao evocar a experiência de seu passado, Hanna ressignifica o trauma vivido durante a guerra. Seus dias eram repetições, se alimentava apenas de comidas específicas: frango, arroz e maça. Parecia manter sua sobrevivência e trabalhava compulsivamente para não pensar. A chegada de Josef em sua vida traz uma abertura para o campo do desejo. Ela volta a desejar e passa de uma sobrevida para a construção de uma vida com vínculos. Seu passado continua habitando seus pensamentos mas já não são tão enclausurados e assim como a explosão induzida na plataforma de petróleo, Hanna deixa de implodir seus sentimentos.

Essa história se assemelha ao processo de uma análise em que se cria um ambiente seguro de confiança e por meio das palavras como ato, se ressignifica as experiências, sendo em essência, a psicanálise uma cura pelo amor.


Por Carla Belintani


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