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Carta a mãe especialista durante pandemia


Imagem: UNICEF/UNI316644// Frank Dejongh
“Eu gostaria de me dirigir às mães e falar-lhes sobre a coisa que elas fazem bem, e que assim o fazem simplesmente porque toda mãe dedica-se à tarefa que tem pela frente, isto é, cuidar do seu bebê.”
Winnicott (1987/1988)

Cara mãe, se você está lendo este texto em busca de recomendações sobre como exercer bem sua função materna durante a pandemia, sugerimos que suspenda o saber técnico sobre maternidade por alguns instantes e que se autorize a resgatar a própria espontaneidade, valorizando o próprio saber em relação a seu filho.

Em tempos de quarentena, a reclusão das mães que já estavam isoladas em casa por conta da demanda dos cuidados com seu bebê, com sentimento de solidão e desamparo precisa ser pensada.

A experiência da maternidade é marcada por descobertas e reinvenções sobre o papel da mulher - afinal, quando nasce um bebê, nasce também uma mãe. Trata-se de um processo que exige elaboração das novas posições, das perdas e ganhos decorrentes dessa nova fase. Há um excesso e uma enorme variedade de “manuais” sobre como lidar com as crianças à disposição na internet que, como nos diz Winnicott, mais atrapalham do que ajudam.

D. Winnicott exerceu a pediatria por mais de quarenta anos, especializando-se em psicanálise infantil. Faleceu em 1971, deixando um longo legado de estudos sobre a relação mãe-bebê. Mesmo sendo um renomado especialista infantil, seus estudos visavam principalmente transmitir a importância da espontaneidade de cada mãe. Segundo ele, cada mãe é uma especialista em seu próprio filho, a anfitriã de um novo ser humano.

Winicott enfatizava a importância da construção intuitiva e empática que cada mulher estabelece com seu bebê, além de um saber racional. Nesse sentido, a orientação do especialista deveria favorecer o desenvolvimento da confiança, e do saber que cada mãe vai construindo com seu filho. Winnicott valorizava “a mãe dedicada comum”, acreditando que as orientações poderiam apenas auxiliá-la, após a constituição do vínculo intuitivo com seu filho, fundamental nas primeiras experiências que alicerçam nossa vida mental.

Ele oferecia a seus ouvintes, portanto, um espaço de continência e sustentação da função materna, um espaço de reflexão sobre a primeira infância, e estimulava cada mulher a encontrar seu bebê e construir as bases para seu desenvolvimento emocional, enfatizando a importância facilitadora do ambiente.

Um dos “manuais” distribuídos virtualmente durante a disseminação do COVID-19 discorre sobre a necessidade de “esconder” a realidade pandêmica dos filhos. O documento sugere que os pais ajam como se nada estivesse alterado na rotina, e digam à criança apenas que irão passar uma temporada em casa, o que pode causar angústia nas mães por não conseguirem corresponder às orientações dos auto intitulados "especialistas na área”.

Na tentativa de “disfarçar essa realidade”, o lugar das palavras é muitas vezes substituído pela medicalização. A ilusão de controle sobre o que ocorre fora e dentro de nós, através da negação da realidade, produz engano e sofrimento. A encenação e o não dito exigem esforço dessas mães, já sobrecarregadas na quarentena com a necessidade de elaboração de todos os lutos decorrentes da situação, como o afastamento do colégio, o isolamento social, a falta de espaço aberto para brincar, trabalhar e para vida pessoal. A necessidade de orientação e busca de balizamento na difícil tarefa de ser mãe é algo natural, especialmente para mães muito preocupadas com seus filhos, que buscam “acertar” em sua tarefa.

Mas o que significa ser uma boa mãe?

A maternidade “suficientemente boa” se dará sempre por um triz, com a face não suficientemente boa sempre presente. O fundamental é que os especialistas fortaleçam a confiança da mãe em si mesma, como fonte de saber e na capacidade de perceber seu bebê.

Como dizia Winnicott, “talvez os especialistas devam ao invés de ensinar as mães, aprender com elas, e incentivar que resgatem seu pró- prio saber sobre seu filho”. Tal proposição é válida em especial em tempos em que nos deparamos com tantas incertezas e precisamos aprender a lidar com elas.


“Estou tentando descrever os diversos aspectos das coisas que vocês fazem naturalmente, para que possam reconhecer aquilo que fazem, e para que possam ter consciência desta capacidade natural que possuem. Isto é importante, pois pessoas insensatas tentarão, muitas vezes, ensinar-lhes como fazer as coisas que vocês podem fazer muito melhor do que podem aprender a fazer. Se estiverem certas disso, podem aumentar o valor que possuem enquanto mães, aprendendo coisas que podem ser ensinadas. Afinal, a melhor parte da nossa civilização e cultura tem muitas coisas valiosas a oferecer, desde que vocês consigam assimilá-las sem que percam o que têm de natural.”
Winnicott (1988/1989)

Pensando nesse contexto, elaboramos o “Ciranda Materna”. Um grupo de apoio que oferece um espaço de trocas e interlocução com as mães, podendo contribuir para amenizar a solidão contemporânea. Afinal, para que as mães sintam-se autorizadas a saber sobre os seus bebês, é fundamental que sejam acolhidas e fortalecidas em sua função materna, podendo errar em alguns momentos, valorizando a sua experiência na travessia do tornar-se mãe na construção da parentalidade.


Por Carla Belintani e Carla Braz Metzner


Referência bibliográfica


WINNICOTT, D. W, 1988. Os bebês e suas mães; tradução Jefferson Luiz Camargo - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.


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