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Pai, um hino à vida

Comentário sobre o filme "Meu pai"(2020) do diretor Florian Zeller



Uma mescla de dor, angústia, desespero e empatia pelo personagem cuja memória vai esfarelando, cujos sentimentos, tal como o olhar da filha, nos penetram e se misturam com os nossos, não só espectadores, mas cúmplices e partícipes íntimos de sua história, cujo enredo e roteiro não têm começo, meio e fim.

É simplesmente um emaranhado de imagens - muitas vezes desconexas, muitas vezes nem tanto - que se sobrepõem e se embaralham cada vez mais. Marcadas pela constante tensão em conferir o tempo e o compasso das horas em seu relógio de pulso. O que causa a impressão de que tudo ali não passa de meras lembranças adormecidas que o personagem dolorosamente se esforça por despertar e recuperar e por trazer para si, mas que não são nem foram ou talvez sequer existiram.

E, à medida em que as imagens vão se revelando lenta e sensivelmente desconexas e sem sentido, tal como o movimento dos móveis que vão desaparecendo e esvaziando o lugar em que ele habita - a própria metáfora da sua mente - o espectador-cúmplice que havia entrado num espaço claustrofóbico, é delicadamente conduzido pela mão a um pequeno quarto onde - é de se supor - o pai sempre esteve e que todas as situações anteriores não passaram de um exaustivo, desesperado e doloroso esforço dele (e nosso) em montar o quebra-cabeças, o puzzle. Como num jogo de memória, num vão intento de remontar e resgatar sua identidade, ali, tatuada nas horas; sua dignidade, ali, guardada nos ponteiros do relógio de pulso; e sua história, ali, afundada na solidão do Tempo que, ali, no pequeno quarto, por fim, descansam.

A nós nos resta o profundo sentimento de respirar o Amor à Vida e um enorme desejo de sair pela rua a cantar desesperadamente a ária que ele sempre ouvia.”


Por Lúcia Barros Freitas de Alvarenga (confrade da Confraria da Padoca)

Manhã, 17/05/2021.

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